Contos ou Cantos no estilo hermético e de difícil definição de Isidore Lucien Ducasse - Conde de Lautréamont - autor do magistral "Cantos de Maldoror".Breve excerto: "Para agora! Somos diferentes, muito diferentes! O que anima a minha escrita é uma vontade colérica de pôr em linhas as ideias mais desconexas que se apresentam à minha mente; vontade essa apoiada numa capacidade tosca, grosseira, de fazer-me entender. Duvido que estejas com um nó na garganta, enquanto começas a leitura destas fracas linhas. Então para! Deixa para outra hora. Não se aprecia licor de estômago vazio, a não ser que se esteja disposto a pagar o preço. Assim como uma solenidade, um casamento, uma festa exige a adequação perfeita de uma música ou mesmo do silêncio, estes contos (ou cantos) estarão no melhor de seu uso, se puderem encontrar tua natureza agitada. Quando a tua garganta se fechar, a boca secar ou a saliva enferrujar; aí tirarás o máximo proveito da eloquência caquética da hiena que aqui escreve. Ao contrário da cultura dita ocidental, na qual o mal deve ser reprimido no espírito, certas tradições orientais acreditam que é do perfeito equilíbrio entre os opostos na alma que se faz o progresso. Daí o símbolo ao final desta carta. Pois bem, duvido que tenhas alimentado teu lado sombrio, tampouco é minha intenção fazê-lo, mas do repúdio que sentirás da excessiva tormenta que se encontra em minha mente, sairá desperto o mais nobre sentimento: a compaixão. Entenderás o que se passa na mente de quem é tão diferente de ti. E a repulsa inicial cederá lugar à empatia, por veres que, em muitas situações, tu e os personagens aqui descritos sois assustadoramente parecidos e, usando de condescendência, alcançarás o bem, que do mal pode emergir.Mesmo agora, enquanto ainda nos estamos apresentando, fica patente o início de uma confiança e entendimento mútuos. Afinal, algo de familiar nesta carta encontrou reflexo em algum canto de tua mente, fazendo-te chegar a esse terceiro parágrafo, em que a maioria de teus irmãos já teria parado. E, mesmo que apenas eu fale e tu escutes, não me tomes por mestre. Apenas acredito poder levar-te a ver certas facetas deste mundo por uma óptica diferente. A humanidade inteira está presa numa caixa de madeira e todos estão munidos de ferramentas, tentando romper frestas para ver o que há do lado de fora. Agora, convido-te a olhar pela fresta que abri.A alternância de tempo verbal em alguns contos tem a intenção de colocá-lo "dentro" de um presente que já passou ou, ainda, fazê-lo participar de algum devaneio. Se eu conseguir..."